segunda-feira, 28 de abril de 2008

...calor


...surgiu do nada, do pó, levantou-se e olhou ao redor. olhava seus pés nus, dedos brutos, sujos e inchados, terra vermelha por entre eles. chão rachado, passo a passo seguia o caminho que a terra havia lhe traçado através da terra seca. olhava pra baixo contemplando seus próprios passos, ritmados, movimentos espontâneos, e riu....de onde veio não sabia, era apenas agora, mas sentia que tinha que seguir em frente. mexia suas mão com gosto, levantou a cabeça e seus olhos ofuscados pela luz fecharam-se e sentiu apenas o calor, morno, aconchegante, os raios de sol batendo em sua pele, seu corpo iluminado arrepiado de excitação e gritou, de vontade de gritar e nada mais...e no ar quente deixou-se envolver e sentiu seus pés pouco 'a pouco se desprenderem do chão, seu corpo todo envolvido na brisa e elevando-se mais, e seguia...viu 'a frente a terra que não tinha fim, banhada pelos raios vermelhos que também o levavam, e vôou...



...do solo rachado levantaram-se gigantes de pedra, refletidos uns nos outros, desiguais, amontoados , e viu vários de si, refletidos nos gigantes, e sentiu mãos que o puxavam pra baixo pelo seu sexo, entre as luzes ofuscantes e coloridas e olhos perdidos entre elas, quando sentiu o baque doído, seco, gelado, entre flores e cores e ferro, e escutou pela primeira vez. e caminhou por entre seus semelhantes, sentiu fome, frio, chorou e doeu....criou-se uma segunda pele, mais grossa. barulho intenso, escutou pela primeira vez. sentiu a falta de algo... andou e andou e andou, 'a procura do começo de tudo, 'a sua frente a rua escura. fechou os olhos mais uma vez, e não flutuou, mas seguiu com a força de suas próprias pernas e com o ritmo dos seus próprios pés. cheiro de água...



entrou pela porta e seguiu em frente, guiado pela luz da lâmpada vermelha e pelo silêncio que vinha do fundo. olhou nos seus olhos, sentou-se ao seu lado, sentiu a sua pele, e lentamente posou a cabeça em seu ombro, fechou os olhos, e sentiu seu calor novamente....

domingo, 27 de abril de 2008

frustração

...este gosto amargo, que sem pedir desce sorrateiramente goela abaixo, anulando qualquer doçura que se possa encontrar pelo caminho... gosto das frustrações, dos desejos não correspondidos, ou dos que foram morbidamente refutados...e eu tento fazer a cara daquele que gostou, engulo e ele vai me machucando, me cortando por dentro, e o sorriso estampado no rosto, embriagado, marionete sem fios, controlada por algo que vem de dentro e é cuspido sem o menor pudor...o resto de mim, ou tudo o que é de mim...
...dizia não estar "aberto", medo do que pudesse vir e estraçalhar caminho adentro, invasão do meu corpo que eu ansiosamente espero porém nego, e daí percebo que o gosto do que se espera, mas não vem, é pior do que sua entrada forçada e arteira...
...um toque, olhos nos olhos, verdade. e na grande arena, onde todos os touros se cortejam, com suas grandes patas, corpos musculosos e tesos e suas demontrações de força, é que se vive a mais completa efemeridade...
...e como se fosse só meu corpo, ou minha pele, meus músculos e minhas minhas entranhas, sou roído, mastigado, moído e cuspido...

quarta-feira, 23 de abril de 2008

infância



...cheiro de pão, criança brincando, cabelo encaracolado loiro, anjinho, o cachorro correndo no quintal...cuidado com o varal pra avó não brigar, as roupas limpas e quase secas, lavadas no tanque e com cheiro de lavanda...o berro da mãe na hora do almoço, o uniforme da escola manchado, os pássaros de meu avô presos nas gaiolas, e a filha da vizinha 'a observar, quieta, submissa...cheiro de bolinho-de-chuva, de pão de queijo de forma, a escola ladeira acima, acordar seis horas da manhã...


a saia florida da tia maria, o rodo largado, a chuva que bate nas telhas e a tv ligada, montado no cachorro eu atravesso o quintal, meu irmão com suas manias de gênio e seus alarmes-robôs e armadilhas contra ladrões, as ferramentas de meu avô...
amanhã é natal, o quintal coberto, animais mortos pendurados de cabeça pra baixo, temperados, o sangue escorrendo...tudo enfeitado, as saladas, os doces, a mesa cheia e a carne sendo assada...

o presente esperado, a roupa nova e o amigo secreto. meus tios que já morreram, gente que não morreu mas que nunca mais vi.
e tudo era, e não tinha fim....
... e nestas águas profundas eu desço , aos poucos, afundando suavemente... sinto o toque da gravidade em sua manisfestação mais sutil, suave... e desço. meus ouvidos rendidos pela pressão da água e o silêncio profundo...meus olhos que antes ficavam fechados hoje estão abertos, não ardem como um dia imaginei. tento enxergar mais longe, então, e agora começo 'a enxergar pequenos seres, além da água azul escuro que começa um pouco a clarear. poderia nadar mas não quero, quero continuar descendo lentamente, aproveitar o silêncio, sem o tic-tac das horas ou o ranger dos teclados e a luz das telas e o barulho dos carros...quero conhecer este novo reino que se abre, que sempre esteve ali, cantando, chamando...até que me desespero quando ao longe percebo a mancha negra se aproximando, gigante, carne do ser enorme que ali habita e tem garras, sua boca aberta chegando e seus olhos negros em minha direção. congelo. tudo pára. o frio na espinha se intensifica e continuo olhando em seus olhos...ele pára...e me olha , me encara...segundos se passam, olhos nos olhos fixos, um no outro, e daí vai embora. as aguas começam a clarear novamente e percebo que estou no raso, perto do sol; vejo figuras humanas além da água, ou podem ser seres quaisquer, e não tenho mais medo...

segunda-feira, 21 de abril de 2008




...fim do jogo,
sentado e com as pernas apoiadas, o trem-bala da minha mente passa por tudo de uma vez ... me lembro da música, ela começou num dia que não teve fim e eu insisto em não terminar.
Acho que o tempo não existe, ou já passou... meu corpo em êxtase e eu me transformo no mundo...sou deus e um só e todas as pessoas, e rodo rodo e rodo e abraço tudo com as minhas garras sedentas, tentáculos que tudo alcançam e como um canto de sereia hipnotizam 'a tudo e a todos e os trazem 'a mim... tudo converge em mim...
de repente algo me agarra e me deixo levar...e no meio de tudo o mundo pára...estado catatônico e eu me encontro novamente, quieto e confuso....sem medo...excitado...
Largar e não me prender 'as pedras, deixar que elas me empurrem em sentido contrário e aleatório pra onde a corrente quiser me levar...não faço força contrária...e nesse redemoinho rodo rodo e rodo até o fim do expiral e aqui me encontro de novo...sentado em frente 'a tela, pernas apoiadas, e já são apenas lembranças...

sábado, 19 de abril de 2008

um encontro




...passos rápidos, tropeço nas nuvens carregadas , acelero enquanto a chuva não cai, no Sábado carregado, nublado, ritmado...acordar, acordar, acordar, e correr, correr, correr, uma semana dentro de uma bolha de um dia cheio de possibilidades...acho que vou dormir, acho que vou dançar...ainda não sei bem mas minhas mãos e minhas pernas formigam de ansiedade e eu escrevo e escrevo e escrevo e escrevo...me escalo e me supero 'a todo momento, falta de ar! ...este sábado tá com cara de chuva, o céu inteiro escuro, um mar inteiro represado 'a espera daquela gota limite que faz tudo jorrar e vir abaixo...eu paro...disco...o telefone chama e ouço a voz que parece que me reflete e o encontro está marcado... película já vista na qual insisto e insisto, não adianta negar, mas é Sábado, é Sábado(!)...

Queria poder escrever, sempre, sem parar....colocar pra fora tudo que de mim possa verter e que alguém possa trombar, numa noite suja, sem graça, de conexões virtuais e expectativas verdadeiras...e que nunca mais parasse...

Na noite é que eu me inspiro. Barulho lá fora, olho estatelado, mente sempre alerta! Me basto até o momento que deixo de me bastar e vem a falta, do que ainda não veio, do que não sei se um dia virá mas que aqui está 'a todo instante. Será que um dia realmente me basto?

Pilha de livros na mesa, copo sujo no quarto, webcam na cara e a expectativa...ai se ao menos conseguisse dormir...

sexta-feira, 18 de abril de 2008

Inspiração

E que do nada aparece alguém tão especial, como arlequim no meio dos outros, e me inspira 'a tal ponto de colocar aqui o que me vem e me instiga. Encontro casual e faceiro, em meio aos seus " relógios e calendários e horas marcadas", durante a madrugada!
Aqui deixo meu agradecimento 'a meu novo grande amigo João Diel...

Dois de mim


Dois de mim, quando acordo , me vejo no espelho , e não me reconheço,
Dois de mim, olhando nos olhos, brilho estranho, vida escondida,
Dois de mim, quando me toco, corpo estranho e tão próximo,
Dois de mim quando 'a noite choro, e não me reconheço,
Dois de mim no êxtase profundo, dicotomia de mim,
Dois de mim de frente ao mundo, cara e peito aberto, coragem e covardia...
São dois de mim quando rio, quando grito, quando durmo, quando dissimulo, quando morro, quando corro, quando desespero,
Dois de mim quando amo, me rastejo, me arrependo e dói tão forte,
Quando caio e quando levanto, quando beijo e sinto o cheiro...
Vários de mim...